Você tem visto atendimento em hospital público, no Brasil, que você classificaria de excelente? O brasileiro comum, tem tido oportunidade de ser tratado, em serviço público, com “atendimento cinco estrelas”? Ou tem sido tratado com indiferença, mau humor, má vontade, e, às vezes, nem tratado é?

Acompanhem comigo um episódio ocorrido num sábado à noite, numa capital de um estado brasileiro.
A dama, trajando um longo e bem produzido vestido preto, chega à recepção do Pronto Socorro, ansiosa, nervosa e temerosa de que algo de pior tivesse acontecido à sua visão. Com a mão protegendo o olho direito, procura apoio do serviço público, na esperança de atendimento que minimize seu sofrimento.
A enfermeira da recepção, prontamente, lhe acolhe, indaga o que houve, e, fazendo uma rápida e responsável avaliação do grau de urgência necessária, acomoda a dama com seu distinto, esposo, semelhantemente vestido e transparecendo descontentamento por saírem de um evento social para uma urgência médica – em pleno sábado à noite! Ela Informa ao casal que irá fazer o atendimento, mas, primeiro, precisa dar atenção a um outro paciente que acaba de chegar.
Quem é o outro paciente que terá prioridade de atendimento?
Um jovem – cidadão simples – vestido em trajes usuais, em nada parecido com a bela e sofisticada vestimenta utilizada pelo casal que chegara primeiro. A diferença é que o rapaz tinha sofrido um acidente de trânsito, e cujo estado de saúde inspirava maior velocidade de atendimento, já que, conforme avaliado pela enfermeira, apresentava maior senso de urgência.
Tão logo conclui o encaminhamento do rapaz acidentado, a enfermeira, prontamente e sorridente, retorna ao distinto casal, e dá prosseguimento ao atendimento que iniciara anteriormente.
Aqui o POP é priorizado, em detrimento do VIP!
Para efeito deste artigo, utilizamos a palavra POP para aquilo que se refere ao “popular”, comum, não diferenciado. E a palavra VIP, derivada de “very important people” para aquilo que se refere ao chamado cliente importante, usualmente tratado de forma diferenciada, recebendo mais e melhores serviços.
Encaminhada ao atendimento médico, a distinta e bem vestida dama, após apresentar seu documento de cidadã – não era carteirinha de convênio médico, embora o tivesse, nem credenciais de cunho social, profissional ou qualquer outro documento que explicitasse seu estado econômico, seguramente superior ao “pobre moço de chinela acidentado em suas andanças motociclísticas”.
E, pasmem, é recepcionada por uma competente, eficiente e razoavelmente gentil e serenamente sorridente médica oftalmologista!
Você, leitor, poderá indagar se estou sendo preconceituoso por adjetivar o atendimento da médica por “razoavelmente gentil e serenamente sorridente”?
Não se trata de preconceito!
Trata-se sim, de procurar compatibilizar realidade com necessidade.
A realidade: o senso comum é de que médicos normalmente não são tidos como profissionais que atendem seus clientes com muita expressão de boa vontade, agilidade e proximidade. Por isto mesmo, seu cliente é chamado de paciente.
A necessidade: até que ponto um atendimento, em toda e qualquer circunstância, precisa ser feito com sorriso, às vezes excessivo ou sem naturalidade? Por vezes vemos pessoas em atendimento que agem com responsabilidade, presteza, atenção e respeito, mas, em tom sério, sem agir com distância, frieza e indiferença, cumprem fielmente o seu papel, no sentido de fazerem o que tem que fazer sendo agradáveis.
Defendo, sempre defendi, e continuarei defendendo que um bom atendimento não precisa ser realizado com excesso de sorriso, às vezes falso, mecânico ou artificial. Se você tivesse que escolher entre um atendimento simpático, cordial mas que não resolvesse o seu problema, e um outro atendimento não tão simpático, nem tanto cordial, mas que de fato, lhe entregue o que você foi buscar, qual você prefere?
Não estou falando de atendimento grosseiro, rude, frio, distante. Estou falando de um atendimento que não se derrama em sorriso e carinho, às vezes excessivo.
Pois é assim que precisa ser um atendimento médico.
E foi esse o atendimento que a dama do episódio aqui narrado teve, no pronto socorro publico onde procurou assistência médica.
Interessante observar que enquanto a formosa dama era atendida pela oftalmologista, de forma gentil, atenciosa, competente e eficiente, uma outra médica, ali próximo, atendia uma criança que parecia ter engolido algo que lhe impedia respirar e falar normalmente.
Esta segunda médica, gentilmente e pacientemente, se esforçava em “convencer”, respeitosamente, a criança a facilitar o seu trabalho de acessar a garganta, de modo a executar o seu trabalho de facilitar-lhe a vida com a retirada do objeto engolido. Também um atendimento VIP!
Findo o diagnóstico, a oftalmologista, percebendo não se tratar de algo grave, prescreveu medicamento e cuidados físicos, e indagou se o distinto casal pretendia voltar ao evento social de onde pareciam ter vindo.
Interessante observar que a médica não procurou saber se o casal estava em algum evento, o que era o evento, onde ocorria, quem promovia, a natureza do evento, quem estava presente – informações que não contribuiriam em nada, para o atendimento médico realizado. O foco de atenção do atendimento médico foi de cunho profissional e direcionado a resolver o problema com sua paciente, naquele instante.
Diante de resposta de que pretendiam voltar ao evento, a médica orientou à enfermeira que realizasse um curativo pequeno, não comprometendo a elegância da formosa dama. Despediu-se gentilmente, atenciosamente e respeitosamente, colocando-se à disposição, caso alguma necessidade houvesse.
A formosa dama, e seu distinto esposo, puderam assim, retornar, satisfeitos e agradecidos, ao evento de onde haviam vindo, para continuarem sua noite de diversão!
Parabenizo, assim, a equipe que faz o Hospital de Estadual de Emergência e Trauma de João Pessoa, PB, que, pelo menos neste episódio, deu uma demonstração de que é possível, em serviço público no Brasil, proporcionar um atendimento de qualidade, quase beirando a excelência.
E convido, você, leitor, a continuar a leitura deste episódio, numa próximo artigo, onde vou explorar a questão de atendimento VIP ou POP em serviço publico no Brasil.