Atenção!
Aos leitores usuais deste blog, informo que este artigo ficou maior do que o usual (1 a 2 páginas). Por absoluta impossibilidade de quebrar a história em partes, dado ao envolvimento emocional do episódio, decidi fazer um texto maior, a fim de não deixar de fora qualquer detalhe que engrandece a história aqui narrada, compartilhando o melhor que posso. Leia quanto tiver um pouco mais de tempo que o usual
Você já se deu conta de que quando servimos, isto noz faz muito bem? Até que ponto ficamos mais felizes em ser servidos ou em servir? Como um vendedor pode deixar de vender e parecer extremamente feliz?

Pois todos estes aspectos puderam ser evidenciados no episódio que passo a narrar.
Aconteceu comigo, recentemente, em viagem para participar de um congresso internacional.
Após um dia de intensas apresentações e debate científicos, saímos, quatro congressistas, a passear pela movimentada e alegre cidade de Denver (EUA). Uma das experiências marcantes naquela noite, foi ver e conviver com jovens de todas as idades, fantasiados de chapéus estilo cowboy, calças tipo Faroeste, e usando botas e cintos de quem parecia estar se preparando para andar a cavalo. Aliás, havia cavalos nas ruas, bem como algumas carruagens não muito sofisticadas.
Dias antes, um dos colegas havia encontrado um livrinho mágico, que continha todas as informações e dicas sobre o que fazer em Denver e região. E, justo naquele dia, encontrara indicações de locais para curtir blues, no menor estilo americano.
Esta foi outra descoberta agradável deste congresso: o colega, professor doutor da USP, sério, competente e eficiente, uma referência em sua área de conhecimento, mostrou-se um exímio guia turístico, graças a seu “livrinho mágico”.
Aproveito para ressaltar a capacidade do colega em explorar as informações disponíveis no livrinho. O livrinho poderia, provavelmente, ser encontrado e consultado por qualquer pessoa. Mas o colega mostrou uma competência acima do comum. E lá fomos nós, assessorados pelo nosso guia turístico particular. Você já teve um PhD lhe servindo de guia turístico?
Passava um pouco das 8 da noite. Ao nos aproximarmos da casa de blues que o colega havia descoberto no guia mágico, avistamos o que parecia ser um estádio – de que, não sabíamos! Uma colega do grupo se lembrou que, se estivéssemos em São Paulo, logo saberíamos ser estádio de futebol, pelo barulho ensurdecedor que viria de sua área interna. Ali havia um educado silêncio.
Pouco depois, veio um som de torcida vibrando, o que nos atraiu para o local. Pelo aspecto externo, concluímos ser estádio de beisebol, o que despertou, em todos do grupo, vontade de assistir algo inédito: um jogo de beisebol, em pleno território norte-americano!
Um dos colegas, mais afeito a iniciativas ousadas de desbravar caminhos, propôs algo inusitado: “vamos até lá conhecer o estádio e assistir ao jogo?“
O “guia turístico”, também afeito a explorar novos mundos, concordou de imediato, e, diante do momento envolvente, fomos, os quatro, na direção do “jogo de beisebol”, especulando, simultaneamente, sobre o preço do bilhete, se ainda haveria tempo para assistir alguma coisa do jogo, se isso, se aquilo, etc., etc., etc.
Avistamos um portão, que parecia ser o portão de saída, pois, logo após mais urros de vibração, vimos, através de telões disponíveis na área externa do estádio, que se tratara de uma jogada marcante, pela repetição da jogada e dos cumprimentos ao jogador responsável pela jogada. Várias pessoas saindo sugeriam algo como fim de jogo.
O guia da inusitada aventura apressou o passo, sugerindo “vamos que ainda dá para ver alguma coisa“. Confesso que acreditava mais ser fim de jogo.
Na tentativa de entrar por onde todo mundo saía, fomos, logicamente, barrados por uma atenta senhora, responsável pelo acesso ao local. Ela porém, apesar de impedir o acesso, informou que ainda poderíamos entrar, desde que comprássemos o bilhete, indicando a direção da bilheteria.
Ao chegarmos à bilheteria, nosso colega desbravador se dirigiu à atendente, se apresentando como “brasileiros apaixonados por futebol, mas duplamente ignorantes e curiosos por beisebol“, indagando à simpática bilheteira, se, e como, poderíamos entrar no estádio. Escrevo “simpática” por que, no primeiro instante que ela se apresentou a nós, já demonstrava uma simpatia fora do comum.
A mocinha, com um sorriso natural e extremamente agradável, se mostrou acolhedora e com boa vontade. E pareceu, desde o primeiro instante, interessada em nos ajudar.
Entre sorrisos e uma expressão de quem pretendia nos informar não ser mais um horário apropriado, em virtude da proximidade do fim do jogo, nos informou o preço: 19 dólares, o que não era nada do outro mundo, para quatro turistas que nunca haviam visto um jogo de beisebol na vida, em especial num estádio norte-americano.
E sugeriu, gentilmente, que seria mais interessante, voltarmos no dia seguinte, pois haveria um jogo à tarde, e poderíamos assistir o jogo inteiro. A experiência seria completa!
Foi aí que informamos a ela que não poderíamos assistir ao jogo no dia seguinte, pois teríamos congresso no horário do jogo, embora fosse um domingo (três de nós estariam apresentando trabalhos – verdade, fomos para participar do congresso mesmo!).
Acho que ela percebeu nossa vontade estampada no rosto, e nossas limitações. Então ela perguntou se queríamos mesmo entrar, ainda que por pouco tempo.
Logicamente respondemos em coro “YEEEES”!
Enquanto alguns de nós já punham a mão na carteira, ela pediu que aguardássemos um instante. E, dirigindo-se à colega do lado, fez algumas perguntas que não conseguimos ouvir. A colega pareceu não estar muito disposta a ajudá-la, ou a nos ajudar, embora não tenha sido antipática. Ela então dirigiu-se a outro colega e fez algumas indagações, retornando à janela onde estávamos. Ao dar uma explicações e perceber que não conseguimos entender plenamente, tentou falar em espanhol.
“Sorry”, falou ela, pelo fato de não conseguir se fazer compreender em espanhol. Diante do insucesso, sorriu e pediu licença, novamente, indo lá para dentro, desta vez, conversar com outro colega.
Alguns instantes depois, retornou e pediu mais um tempinho. E dali mesmo, virou-se para um outro colega e sinalizou, com a mão aberta, que seriam quatro. Ao ouvir a resposta de seu colega, se dirigiu a nós e comunicou que conseguira tickets de cortesia.
Uau!
Explicou que, em função do adiantado da hora, não valeria a pena comprarmos bilhete integral, e que, com os bilhetes cortesia, poderíamos realizar o desejo de conhecer o beisebol.
Ficamos surpresos e alegres com a conquista. A esta altura, não sei dizer o que o colega aventureiro falava, ou comunicava através dos gestos faciais para a mocinha. Mas posso assegurar que ele foi eficiente e eficaz na investida que fez. E ficamos a comemorar!
Porém, mais feliz que nós quem parecia estar era a atendente – a esta altura com o sorriso ainda mais “energizante”. Ela, de fato, parecia estar feliz com o que estava conseguindo fazer por nós!
Pediu licença e foi para outra sala, onde se encontrava um rapaz, diante de um monitor. Enquanto ele parecia estar procurando algo no monitor, eles falavam, falavam, e falavam. E nós, do lado de fora, a esta altura com a sensação de não estar mais sentindo o frio que até pouco tempo nos incomodava.
Enquanto ficávamos comentando a agradável surpresa, acompanhávamos os movimentos da mocinha argumentando com o colega ao monitor, que, a esta atura, parecia ter sido contagiado pela energia dela. Um do nosso começou a ficar com cara feia, olhando para o relógio.
Pouco tempo depois ela se aproximou da janela onde estávamos, e, se desculpando, informou que estava demorando por que estava, com o colega, procurando quatro lugares juntos.
Isso mesmo: estava procurando quatro lugares juntos!
Todo isto grátis!
E, assim retornou lá pra dentro, para continuar a busca com o colega.
A esta altura, nosso colega do relógio, fazendo uma cara feia, num misto de ironia e humor, começou a brincar, afirmando que “não estava gostando da qualidade do serviço, pois a demora estava passando do limite aceitável!”
Não era eu que estava falando isto!
E ficamos ali fora, já sem sentir mais frio algum, comentando que ela já fizera demais, e não precisava se preocupar em nos colocar juntos.
De repente, vimos que ela e o colega do monitor vibram. Ela dá um largo sorriso de felicidade incontida!
Havia conseguido o seu intento!

E, de posse dos quatro bilhetes em mãos, vem em nossa direção, sorrindo e feliz, nos entregar o nosso presente. E ainda, sorrindo e feliz, nos “mandou embora”, pois não poderíamos demorar, sob pena de perdermos o fim do jogo!
Ficamos imensamente agradecidos, elogiamos e reconhecemos. E eu, diante de uma experiência rara de comportamento servidor, perguntei ela se poderia fazer uma foto dela, pois iria escrever um artigo pro blog!
Fomos pro estádio ver o beisebol – e o resto é história!
Análise do caso, do ponto de vista de comportamento servidor.
Compartilho assim, com vocês, leitores do blog, esta inusitada, inesperada e inesquecível experiência do que é uma pessoa com comportamento servidor:
- Para começo de conversa, ela teve INICIATIVA de fazer algo diferente, por quem parecia querer ou precisar. Ela poderia ter se limitado a dar as informações, ou mesmo vender um bilhete integral, e estaria cumprindo o seu papel, mas optou em fazer algo diferente.
- Ela demonstrou um extremo desejo de AJUDAR, compreendendo a situação de quem não sabia mesmo a melhor conduta para uma situação daquelas.
- Ela procurou ser, e foi, muito ÚTIL, de uma forma marcante e eletrizante! Fiquei com a impressão de que ela se sentiu realizada com o que fez por nós, e provavelmente, depois do trabalho, deve ter tido um final de dia de muita satisfação!
- Ela fez uso de muita SIMPLICIDADE, nos gestos, diante da recusa inicial de colegas seus em fazer algo diferente do usual. Ela parecia não se importar com o fato de colegas não estarem querendo ajudar – pelo menos no nível em que ela parecia desejar. E fez uso da simplicidade, inclusive, no momento em que tentou falar em espanhol, correndo o risco de cometer erros. Isto parecia não importar, pois o desejo de servir era maior!
- Desde o início, e a todo momento, ela agiu com RESPONSABILIDADE, pois procurava alternativas, dentro das opções de procedimento, que ela parecia não se lembrar, em sua integralidade, naquele instante. Serviço é assim, às vezes o prestador se vê diante de situações novas, não previsíveis, e precisa usar conhecimento incomum, além de criatividade, para encontrar uma solução.
- Ela também demonstrou muito BONDADE, pois poderia até mesmo vender um bilhete integral, mas não o fez. Preferiu usar do bom senso e indicar uma opção mais conveniente para o cliente – dinheiro não é tudo!
- E fez uso do elemento RENÚNCIA, na medida em que, quase fim de jogo, poderia ter nos indicado qualquer opção mais prática – comprar bilhete integral, voltar outro dia, até mesmo não vender. Se ela não vendesse, mas tivesse sido educada, atenciosa e simpática em informar, possivelmente teríamos elogiado a conduta.
Este artigo, infelizmente, se faz incompleto por uma ato falho de minha parte: não peguei o nome da competente atendente de bilheteria feliz em servir. Fica, em todo caso, o reconhecimento a ela, e o registro neste blog, com a imagem à frente.
E minha felicidade maior foi, depois de toda a experiência vivida, retratar e compartilhar o episódio neste blog. Por isto, encaminhei o artigo, em versão traduzida, para o estádio Coors Field, na esperança de que o mesmo possa chegar até a profissional exemplar cujo comportamento foi aqui narrado.
Por fim, um abraço carinhoso aos colegas Roberto Marx, Marcia Terra e Jorge Muniz, protagonistas da bem aventurada experiência no Coors Field!

Muito legal! Adorei o artigo!
Que bom, Patricia! De fato, além da experiência vivenciada, escrever o artigo foi muito agradável!
Quando estamos na iminência de dois grandes eventos internacionais, e relacionados ao esporte – Copa das Confederações e Copa do Mundo -, o exemplo da atendente serve de estímulo a todos.
Verdade, Ricardo. Muito podemos aprender com pessoas e comportamentos simples como o da Atendente Feliz por Servir!
Grande história, Professor Kléber!
É sempre gratificante encontrar pessoas com esse tipo de atitude.
E, o que é mais importante, tenho certeza que a jovem se sentiu altamente recompensada por sua ação.
E mais: contagiou um colega, que, certamente, terá sentido algo semelhante, em termos de recompensa interior.
A propósito, como foi o jogo?
Pois é, Haroldo. Foi realmente uma bela história! Digna de ser compartilhada. Por isto fico feliz, além de compartilhar, com seu feedback. E o jogo: o time da Casa, Colorado Rockies, venceu. Só não me pergunte o placar, pois me faltou tempo para entender o jogo completamente. Mas o estádio é muito bonito, limpo, e organizado. Outro dia vou escrever um artigo sobre o “after-game”, que foi outro ponto de destaque.
Ótimo artigo! Um belo exemplo a ser seguido…
Penso que duas características presentes no caso são essenciais aos serviços que querem ser reconhecidos como de excelência. Uma está evidente no caso e explicitada na análise, a “iniciativa” da atendente. A outra é “autonomia” (responsável) que a atendente se deu ao buscar liberar o pagamento dos ingressos. Acredito que essas são duas características essenciais a serviços de excelência, mas (pelo que percebo) quase sempre negligenciadas pelos gestores de serviços. Esses não procuram contratar pessoal de linha de frente com iniciativa e nem desenvolver essa característica nos atendentes (parece que é algo perigoso) e, muito menos lhes dão qualquer grau de autonomia para fazerem algo que não esteja estritamente dentro dos padrões estabelecidos.
Obrigado, Robin, você que sempre acrescenta aspectos importantes em seus comentários. Embora a Atendente não tenha tido autonomia sozinha – ela solicitou ajuda de colegas, mas a equipe TEVE autonomia.
FASCINANTE
E pelo seu adjetivo, Jorge, vejo que consegui reproduzir, no texto, a emoção que sentimos ao participar da epopéia Denveriana. Foi de fato, um evento inesquecível!