Você já se viu diante de uma cena tragicômica, em que ouviu o que não queria, o que não parecia adequado, e ficou incomodado – isso tudo ao receber um serviço? Em sua experiência de cliente de serviço, os prestadores têm agido de forma reservada e conveniente? Ou se comportam falando alto como se estivessem na praia, numa roda de amigos?

Pois vejam o que aconteceu comigo certo dia, num café do Shopping.
Era sábado de manhã. Cedo, passava um pouco das 10 horas, e eu decidi tomar um café. Pelo horário, havia poucos clientes no Shopping. Aliás, descobri, um excelente horário para fazer compras com tranquilidade.
Chegando à cafeteria, havia excesso de mesas à escolha, pois somente duas estavam ocupadas. O ambiente calmo e tranquilo levava a imaginar que seria um atendimento leve e sereno.
Fui atendido por uma mocinha educada e atenciosa, e fiz o pedido. Não tinha pressa, mas deu para perceber que a atendente logo repassou o pedido a duas colegas trabalhavam na área interna do estabelecimento.
De repente, enquanto a atendente fazia uma coisa e outra, ouvi o diálogo das funcionárias internas.
- E aí, amiga, como foi a sua noite ontem?
- Olha, deu tudo certo. Quando terminei o trabalho fui para casa, e tive uma noite ma-ra-vi-lho-sa! Você nem pode imagina que aconteceu depois que meu amor chegou.
- Acho que posso imaginar sim. Depois de tudo o que você me havia contado, só podia dar nisso.
- Foi bom ouvir seus conselhos. Eu fiz como você sugeriu.
- Amiga, Preciso lhe dizer uma coisa: eu vi você nua hoje…..
- Ahn?
- Pois é, quando estávamos chegando para o trabalho, na hora de colocar o uniforme, eu vi você abrindo sua sacola e …
E seguiram conversando, como se estivessem em casa, com a maior naturalidade do mundo.
Eu fiquei acompanhando aquilo e, diante do inusitado do bate-papo em alto e bom som, não tive como desperdiçar a oportunidade de rir da situação, afinal a espontaneidade das duas em falar de assuntos íntimos foi, de fato, cômico – além de trágico.
De onde vem o lado trágico?
Vem da exposição de algo que, em prestação de serviços, não deveria ocorrer: confundir bastidores com palco.
Como assim?
Não sou muito devoto da ideia de que devemos separar assuntos pessoais de profissionais, como se fossemos duas pessoas – isso nem sempre é possível ou fácil de conseguir – mas devemos sim, separar os papéis que exercemos em ambiente profissional.
Estar no palco significa, em prestação de serviços, estar diante do cliente. Isto pode significar estar fisicamente diante do cliente, ou mesmo em contato visual (à distância, mas sendo visto por clientes) ou auditivo (contato telefônico, por exemplo).
E, quando estamos no palco, somos os representantes da empresa ou organização onde trabalhamos.
- O frentista é o posto de combustível.
- A telefonista representa a operadora de cartão de crédito.
- O professor é a representação de tudo o que pensa e define a direção de uma escola.
- A recepcionista de um hotel, hospital ou hall de um espaço empresarial se comporta de acordo com a “atitude” daquela instituição para com seus clientes e usuários.
- O médico age com o respeito e atenção que o hospital dedica a seis clientes-pacientes.
- O juiz age conforme o tribunal pretende agir perante a comunidade e cidadãos.
Então, devemos ter cuidado com tudo o que fazemos e dizemos, quando estamos no palco.
- Talvez se as mocinhas do episódio narrado fossem atrizes de teatro encenando uma peça, pudessem ter aquele tipo conversa, pois estaria no script imaginado pelo autor do texto.
- Quem sabe se estivessem como garçonetes de uma boate de strip-tease, a conversa não seria inadequada.
- Ou mesmo se fossem dançarinas de um show o diálogo poderia ser pertinente.
Mas em um serviço de cafeteria não faz muito sentido combinar assuntos íntimos de forma que se torne perceptível a clientes e frequentadores.
Por que este tipo de fato acontece?
Este tipo de episódio pode acontecer devido a pelo menos quatro fatores:
- As pessoas que ali trabalham não tem o menor senso de privacidade, respeito ou responsabilidade.
- A empresa não tem a menor sensibilidade para lidar com questões de comunicação.
- Pode haver um excesso de espontaneidade, e, de modo algum, existe preocupação em se ter bons modos e boa educação no trato com clientes.
- A empresa não tem a mínima preocupação em qualificar as pessoas sobre comunicação com o cliente.
Como evitar isto?
Como uma empresa de serviços deveria fazer para evitar este tipo de acontecimento?
- Em primeiro lugar, há de existir, por parte dos que dirigem, a consciência do impacto da comunicação na prestação de serviços, afinal, a percepção é afetada, em parte, pelo que se diz durante a prestação de um serviço.
- Identificada a importância da comunicação no serviço, há que se identificar o tipo de comunicação adequado a cada serviço.
- É muito importante identificar o que dizer, em cada etapa do serviço, afinal, dar boas vindas numa funerária não parece ser adequado.
- Igualmente importante é selecionar “o que não dizer”, “onde não dizer”, ou “quando não dizer”, ou seja, selecionar e segregar os tipos de comunicação a serem evitados durante a perpetuação do serviço.
- Padronizar, documentando as falas recomendadas e aquelas a serem evitadas. É importante não usar o rol de frases de forma única, e proibir qualquer outra forma de comunicação, engessando as pessoas.
- Treinar a equipe. Treinar, treinar e treinar. E se achar que é pouco, cabe treinar, treinar e treinar as pessoas que ofertarão serviço. Procurar fazer este treinamento em situações reais de serviço.
- Avaliar os resultados do treinamento realizado.
- Identificar eventuais falhas do treinamento realizado ou na assimilação.
- Repetir o treinamento realizado. Melhorar o treinamento realizado.
- Realizar fóruns de discussão sobre a prática da comunicação na prestação de serviços, incluindo gestores, prestadores, e encarregados da padronização.
Como sair de um vexame desses?
E se, apesar de todo cuidado tomado, acontecer de forma espontânea e inadvertida uma falha na comunicação do serviço, como a narrada no episódio da cafeteria, o que fazer?
- Interrompa a conversa!
- Mantenha o controle, fique calmo.
- Se possível, use um pouco de humor.
- Se tiver dito algo que incomodou algum cliente, desculpe-se, e esclareça a situação.
- Se não tiver dito algo que incomodou algum cliente, procure, se possível, levar a situação com naturalidade e certa dose de humor.
- E após tudo isto, mantenha o fluxo normal do serviço.
Reflexão
- Existe, na sua empresa/organização, um rol de frases a serem utilizadas? E um rol de frases a serem evitadas?
- Existe padronização da comunicação em sua empresa/organização?
- As pessoas na sua empresa/organização estão atentas sobre o que falar x o que não falar diante de clientes?
Excelente texto Kleber! Enquanto lia, lembrei de episódio semelhante (talvez não tanto tragicômico como este), quando realizei compras em renomado supermercado neste final de semana. Ao pesar frutas e verduras que comprava, desenvolve-se o seguinte diálogo entre as senhoras que realizam o serviço de pesagem/preço:
Senhora 1: E ai, estão funcionando as balanças?
Senhora 2: Que nada, essa ai já está dois dias quebrada e essa minha aqui parou duas vezes hoje. Dá vontade de largar tudo e sair correndo enquanto não arrumarem essas máquinas e trocarem nossas cadeiras.
A senhora termina minhas pesagens, agradeço pelo serviço e ela, automaticamente, sem olhar para mim, diz: “Obrigado senhor, tenha uma boa tarde”.
E a conversa delas seguiu….
Abraços!
Ótimo, Luciano. E assim algumas empresas, junto com seus funcionários, vão dando demonstração seguida de desrespeito ao cliente. Grato pelo feedback e pela contribuição.
Existe uma certa loja de roupas aqui em Natal, uma loja grande, tradicional, de organização familiar, na qual sempre que entro me aborreço. É difícil não encontrar rodinhas de funcionárias falando mal de suas chefias, que não respeitam horário, que não deram licenças solicitadas, que o salário está um horror, enfim… Acho aquilo terrível. E elas se entusiasmam tanto com a conversa que falam em tom de voz audível para o cliente e esquecem de nos atender. E ninguem vê isso?
Pois é. Como diz o ditado, quem é gordo o boi é o olho do dono. Se o dono não vê, poderia ter um bom gestor…..